
Para muitos, o pão é um símbolo de conforto, tradição e alimento básico. Uma torrada no café da manhã, um sanduíche no almoço, um pãozinho quente na padaria. Mas o pão de hoje está longe de ser aquele feito com quatro ingredientes simples que nossos avós conheciam.
O que parece uma fatia inofensiva pode, na verdade, esconder um coquetel de aditivos químicos, contaminantes ambientais e práticas industriais que colocam em risco nossa saúde — inclusive aqui no Brasil.
O perigoso ácido trifluoroacético (TFA): um “químico para sempre” no seu pão
Um novo estudo acendeu o alerta ao encontrar níveis elevados de TFA — um subproduto tóxico da decomposição de compostos fluorados — em alimentos à base de trigo como pão, massas e cereais. Esse ácido não se degrada no meio ambiente, se acumula no solo e na água, e pode contaminar lavouras mesmo em áreas orgânicas há décadas.
O TFA é um tipo de PFAS, conhecidos como “produtos químicos para sempre” devido à sua persistência no organismo e na natureza. No estudo, seus níveis nos alimentos chegaram a ser 400 vezes maiores que os encontrados na água potável, e o mais alarmante: até mesmo crianças, grandes consumidoras de pão e cereais, estariam ingerindo até quatro vezes mais do que o limite considerado seguro.
E sim, no Brasil, o TFA também pode estar presente nos alimentos, já que a contaminação ocorre por chuvas, ar e uso de produtos importados contaminados — e ainda não há regulamentação específica no país para a presença desse ácido em alimentos.
A tecnologia escondida por trás do pão fofinho: o processo Chorleywood
Desde os anos 60, a indústria de panificação tem priorizado a eficiência e a durabilidade em detrimento da qualidade e saúde. O Processo Chorleywood, desenvolvido no Reino Unido, é hoje responsável por mais de 80% dos pães comerciais em vários países — inclusive muitos dos industrializados encontrados nos supermercados brasileiros.
Esse método utiliza:
- Farinhas de baixa qualidade, enriquecidas com enzimas e aditivos.
- Mistura de alta velocidade, para acelerar a produção.
- Aditivos químicos, para estender o prazo de validade e manter a maciez.
O resultado? Um pão que pode durar semanas sem mofar, mas que contém ingredientes que você nunca veria em uma receita caseira.
Ingredientes e aditivos ocultos: o que você pode estar ingerindo
🔬 Enzimas industriais (não declaradas):
Classificadas como "auxiliares de processamento", essas enzimas — algumas geneticamente modificadas ou derivadas de fungos e subprodutos animais — não precisam aparecer no rótulo. Algumas podem inclusive desencadear reações alérgicas ou piorar a sensibilidade ao glúten.
⚠️ Condicionadores e reforçadores de massa:
- Azodicarbonamida (ADA): proibida na Europa, mas ainda usada em alguns produtos. Associada a problemas respiratórios.
- L-cisteína: derivada de pêlos ou penas de animais.
- Bromato de potássio: ligado ao câncer e proibido em muitos países, mas ainda presente em alguns pães do Brasil.
🧪 Emulsionantes, conservantes e branqueadores:
- Propionato de cálcio: pode afetar o comportamento em crianças.
- DATEM, mono e diglicerídeos: melhoram textura, mas vêm de óleos refinados ou OGM.
- Dióxido de cloro e farinha branqueada: comuns em farinhas “brancas”, aceleram o processamento, mas levantam dúvidas sobre segurança a longo prazo.
🍬 Açúcares ocultos:
Mesmo pães rotulados como “fitness” ou “integrais” podem conter até 5 colheres de chá de açúcar por unidade — disfarçados sob nomes como dextrose, maltose ou xarope de milho.
🧬 Ingredientes transgênicos e pesticidas:
Muitos pães no Brasil utilizam farinhas de trigo e ingredientes derivados de soja e milho geneticamente modificados. Esses cultivos são frequentemente pulverizados com glifosato, um herbicida considerado "provável cancerígeno" pela OMS.
E no Brasil, a situação é diferente?
Infelizmente, não muito. Embora alguns aditivos como o bromato de potássio tenham uso restrito, outros como conservantes artificiais, emulsificantes, melhoradores de farinha e ingredientes transgênicos são amplamente utilizados no Brasil — com pouca ou nenhuma transparência nos rótulos.
A legislação brasileira permite o uso de muitos desses aditivos, e o controle sobre os chamados "auxiliares de tecnologia" (como as enzimas ocultas) ainda é limitado. Além disso, o Brasil é um dos maiores consumidores de glifosato no mundo, o que reforça o risco da contaminação indireta de alimentos à base de trigo, mesmo os produzidos localmente.
O impacto invisível na saúde
Diversos estudos associam o consumo contínuo desses aditivos e contaminantes com:
- Alergias e intolerâncias alimentares
- Desregulação hormonal
- Inflamação crônica intestinal
- Obesidade e distúrbios metabólicos
- Riscos ao desenvolvimento infantil e reprodutivo
O que você pode fazer?
- Prefira pães artesanais ou fermentados naturalmente, com poucos ingredientes e sem conservantes.
- Leia os rótulos com atenção — desconfie de ingredientes impronunciáveis ou listas muito longas.
- Evite pães ultraprocessados, mesmo que rotulados como “light”, “integral” ou “fitness”.
- Dê preferência a farinhas orgânicas ou agroecológicas, que reduzem a exposição a pesticidas.
- Inclua mais alimentos integrais e naturais na alimentação — quanto menos processado, melhor.
Considerações finais: pão ou veneno?
O pão sempre foi símbolo de vida e partilha — mas, no mundo moderno, virou um produto ultraprocessado carregado de substâncias que nunca deveriam entrar no nosso organismo.
Em vez de temer o alimento em si, é hora de exigir mais transparência da indústria e escolher melhor aquilo que colocamos à mesa. Nem todo pão é vilão — mas o pão da indústria precisa de um olhar crítico. A mudança começa com informação.